UMA VIAGEM PELO SERTÃO
Vasculhando a minha memória, desperto na madrugada de uma noite de inverno, pelo chamado avexado do meu pai, para uma viagem tão desejada com destino ao nosso querido sertão, para rever a nossa mãe, que lá se encontrava. Íamos os três, meu irmão, um pouquinho mais velho, minha irmã, mais nova e eu, os escolhidos para a viagem. Sonolentos, seguíamos um pouco atrás de nosso pai, rumo à estação ferroviária para o embarque no trem Maria Fumaça, que nos levaria até o povoado Santa Terezinha, distante 18 km. Na pequena parada de um minuto, logo ao amanhecer, descíamos cada um com sua trouxa rumo à casa de um compadre que nos oferecia um saboroso cafezinho. Em seguida, prosseguíamos em um atalho que nos levaria até a nossa amada fazenda, num percurso de seis km, muito agradável: terra molhada, a vegetação muito verde, poças d'água, pontilhões de madeira sob os trilhos e uma grande ponte que precisaríamos transpor, já que era impossível passar por debaixo devido à cheia do rio que encostava nos dormentes por onde teríamos que pisar. Era um momento tenso, de muito medo, meus irmãos e eu atravessávamos com a ajuda de nativos, experientes na travessia, já que o nosso pai, com cuidado e temoroso, transpunha acocorado, segurando firme na madeira que compunha a estrutura da ponte. Passado o susto, retornávamos à trilha que diminuiria a distância. Na caminhada, admirávamos toda aquela beleza da natureza, gente indo para a roça com chapéu grande na cabeça, enxada e cabaça no ombro, roçados às margens do caminho com plantações de feijão, milho, jerimuns, melancias e abóboras; baixios encobertos com plantação de arroz, com espantalhos montados para afastar a passarinhada e preservar a lavoura. Pés de canapuns em todo o trajeto, um juazeiro, sempre verde, carregado de frutinhas onde descansávamos um pouquinho, as mutucas que cravavam os ferrões em nossas pernas, causando ardência e dor. No entanto, a beleza estonteante da paisagem, o canto dos pássaros, pequenos barreiros com água límpida, o sol encoberto de nuvens cheias, o clima ameno, a prosa do nosso pai, deixavam a caminhada alegre e menos cansativa. De longe, a casa de um velho amigo da família indicava que logo chegaríamos. Caminhando mais um pouco, chegamos às duas casinhas amarelas, pertencentes à ferrovia, que serviam de apoio para os encarregados da conservação dos trilhos. Agora, faltava pouco, atravessaríamos um riacho cheio e continuaríamos o percurso por um caminho estreito até nossa querida casa, onde minha mãe nos aguardava com um delicioso cuscus de milho novo, acompanhado de saborosa coalhada feita em panela de barro, e já temperando o cozido de espinhaço de carneiro para o almoço, sem faltar o feijão verde com maxixe e jerimun. Os animais domésticos da casa, formados pelo cachorro Tupi, o papagaio, o periquito, o cupido na gaiola ficavam felizes com a nossa chegada e nos recebiam festivamente, cada um ao seu modo. Nossa mamãe, com um vestido florado de cores vivas, ao lado do fogão, veio ao nosso encontro com um sorriso amoroso e feliz por estarmos ali. O terreiro colorido de aves, capões, galinhas, capotes, perus, patos e o galo que comandava toda a confusão. A cabra preta leiteira desfilava no meio das ovelhas e bodes. O alpendre com cadeiras de madeira e couro, a aconchegante preguiçosa e uma rede tucum para o nosso merecido descanso. No armador o velho lampião a gás e na janela a lamparina na espera do anoitecer. Meu pai foi logo atender a um freguês de sua arcaica bodega, que veio comprar meia rapadura, meio litro de farinha, meia garrafa de querosene e, para esquentar, um trago da cachaça chora na rampa. Lentamente, a vizinhança foi se achegando e as conversas colocadas em dia. E nós, as crianças da cidade, já arquitetando o que aprontaríamos nos próximos dias, acoloiados com a inocente e amiga molecada da vizinhança.