fatima fontenele lopes
Rascunhos da alma
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O DOCE JENIPAPEIRO

A primeira viagem que marcou as minhas lembranças de infância foi com destino a um vilarejo, nos sertões do Piauí, com percurso longo e que se tornava bem mais cansativo, devido à precária estrada carroçável e, no trajeto, uma perigosa subida de serra, denominada cabeça da onça. Naquela época, nos idos dos anos 1962, o meio de transporte de passageiros usado era o arcaico e conhecido "pau-de-arara". O caminhão, já velho, não tinha horário definido para chegar ao destino, pois, dependia dos percalços encontrados no caminho, como possível chuva e o temido defeito mecânico. A carroceria super lotada de passageiros, dentre esses, muitas crianças, como foi o meu caso. Além das pessoas, muita bagagem amontoada nos rústicos bancos de madeira. Relembro o caminhão sacolejando na rodovia estreita, de barro vermelho, deixando uma nuvem de poeira para trás, e a escassa vegetação, queimada pelo clima árido e elevada temperatura. A região pouco povoada com humildes moradias de taipa, no meio do tempo, onde a fumaça da chaminé de barro anunciava que era habitada. O sol causticante a pino, batia na lona que encobria os bancos dos passageiros. Na bolé, o motorista e duas senhoras mais idosas. O ranger do carro dizia da dificuldade do transporte e, em um determinado trecho, era obrigatória a descida dos viajantes para o caminhão conseguir subir a íngreme e sinuosa serra, conhecida como a subida da morte. Minha irmã, ao meu lado, com o terço na mão, rezava inúmeras Ave-Marias, suplicando proteção na perigosa e cansativa  viagem. Passado o susto, seguia-se em frente, descendo em alguns lugares para alimentação, um copo de água do pote e o descanso para o corpo já muito dolorido. Era uma dificuldade enorme em retornar aos assentos, através de uma escada estreita de madeira, extremamente difícil para os mais idosos e pessoas com algum tipo de deficiência. À tardinha, já na chegada do pôr do sol, o tão esperado desembarque na pequenina cidade, na qual ficaríamos até o raiar do dia, para prosseguirmos a viagem, cedinho, em desconfortável Jipe da cor verde, até a vila, nosso destino final. Logo cedo, partíamos ansiosos e aliviados do sofrimento da viagem no “pau de arara”. O jipe deslizava veloz pela estrada de terra vermelha, mas sentia-se o desconforto das trepidações e dos assentos duros. Ali, tudo era novo, agora se viam também muitas casinhas de taipa, cobertas de palhas de carnaubeiras, comuns na região, e outras, de alvenaria que davam uma sensação de mais conforto. De longe, avistei a pequenina igreja pintada de azul e também escutei o badalar do sino que parecia nos dá boas-vindas. O antigo chafariz e algumas pessoas pegando água. A enorme casa de cor branca, residência da minha irmã, nos esperava de portas abertas, para a feliz hospedagem. Ao lado, uma frondosa árvore, conhecida como mulungu, revestida de lindas flores avermelhadas, era um deleite para os moradores e visitantes. O balançar das folhas das carnaubeiras emitia um som comparável a uma suave e bela melodia; o cheiro apetitoso, trazido pelo vento, produzido pelas moendas do engenho, triturando cana de açúcar para o fabrico de rapadura e outras iguarias regionais, e o encontro com a vizinhança completavam o doce, inesquecível e aconchegante Jenipapeiro.

 

 

Maria de Fátima Fontenele Lopes
Enviado por Maria de Fátima Fontenele Lopes em 07/11/2022
Alterado em 01/07/2023
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