fatima fontenele lopes
Rascunhos da alma
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CHICO BÊ-Á-BÁ

Cresci ouvindo falar de Chico Bê-á-Bá, adotado por meus pais, quando o casal tinha apenas uma filha. Chico era um garoto muito travesso, porém, amoroso com a irmã, cuidava dela e defendia-a com muito apreço. Acolhido pela família com pouco mais de seis anos de idade, o menino logo se adaptou ao novo lar. Assim como a irmã, foi colocado na escola para iniciar a vida estudantil numa escolinha particular, No entanto, logo a mestra percebeu que o menino não tinha interesse, muito menos gosto pelos estudos. A cartilha, à medida que ia passando a página, extraía a folha e jogava fora, e assim fazia com o caderno. O lápis, ele quebrava durante o uso, além de outras peraltices. O ano escolar terminava e nada aprendia, E o resultado era ser discriminado  na sala de aula, por atrapalhar o bom rendimento das crianças, além do mal comportamento. Passou por muitas professoras, mas nenhuma conseguia mudar seu perfil. E, na aprendizagem, sempre parava na lição do bê-á-bá, daí o apelido de Chico Bê-a-Bá. O menino foi crescendo, os meus genitores tiveram muitos filhos, o trabalho aumentou e o garoto por ser matreiro saiu do controle dos pais. Chico aprontava muito por ser  ardiloso, e criava desavenças fora de casa. Todo dia era uma queixa diferente. Certa vez, a vizinha chegou nervosa para denunciar que o moleque foi flagrado no telhado do banheiro da sua casa, observando a filha no momento do banho. Outra denúncia por brincadeira abusiva, Chico passou pela garota sentada na calçada, desceu o calção, colocou a traseira na sua direção e disse: pronto! Você foi fotografada.  Em outra vez, ao passar numa feira, levou alguns pertences de um pobre camelô e acabou na delegacia, onde justificou que o homem gritava: aproveitem a liquidação e, como ia passando na hora apossou-se de facas, garfos e colheres. Uma moradora da cidade e amiga do meu pai dizia que ele tinha esse desvio de conduta, porque não era filho de sangue e pediu para conduzir o adolescente para morar e ajudá-la numa pensão e prometeu mudar a vida do Chico. Passado alguns dias, a clientela do hotel começou a demonstrar insatisfação e a frequência diminuir, então, a senhora foi conversar com alguns dos clientes que relataram o ocorrido; Chico, no horário de servir a refeição para os hóspedes, quando alguém lhe solicitava trazer mais alimento, ele retrucava e dizia: aqui a gente serve refeição é para gente e não para cavalo. E por esse motivo justo, devolveu o Chico aos pais com o pedido de desculpas por não ter conseguido a promessa de mudar o seu comportamento. E ele, por ser um garoto aparentemente bom, a pedido de uma comadre da minha mãe, foi convidado a cuidar de um senhor idoso, cadeirante que necessitava de acompanhamento e atenção permanente. Dias depois, o velhinho passou a reclamar de fome, a filha pensou ser caduquice, já que o cuidador Chico era encarregado de dá as refeições e lanches nas horas certas. Mas como a situação persistia, a senhora resolveu investigar e ficou detrás da porta na hora do almoço do pai. Chico, muito astuto enchia a colher de comida e dizia: olha o aviãozinho, quando o idoso abria a boca ele trazia de volta e comia. Expulso novamente. Era um caso sem jeito, apesar da boa educação que recebia. Ficou adulto mas não mudou nada, sempre aprontando, arrumou uma namorada, uma vendedora ambulante de verduras. Certa noite, chegou em casa agoniado, falando que a namorada comeu muita jaca e estava com a barriga empanturrada, muita dor e bastante doente. No outro dia, a notícia espalhou-se que havia nascido uma criança, resultado da ingestão da jaca. O bebê também foi adotado pela família e possui muitas características do traquino pai. Depois, arrumou uma moça para casar e teve alguns filhos, e devido as suas trapaças também foi abandonado por sua reconhecida falta de responsabilidade. Chico, uma figura ambígua, mas de bom coração, amava os pais e os irmãos. Por eu pertencer à família que o adotou, a penúltima filha, mesmo não chegando a conhecê-lo, pessoalmente, sempre o coloco na contagem da irmandade. Pelo que consta da retrospectiva de sua história, foi embora para Brasília, na década da sua construção, para refazer a sua vida, com certeza com a mesma astúcia que lhe era peculiar. A última notícia que se teve dele foi através de uma carta recebida de uma desconhecida, indagando sobre um suposto rebanho de gado que ele havia deixado no Ceará. Mais uma trapaça do Chico Bê-á-bá, que já deve estar no plano superior mas sua memória permanece viva na família, e seus feitos engraçados hoje são repassados para as novas gerações.

Maria de Fátima Fontenele Lopes
Enviado por Maria de Fátima Fontenele Lopes em 16/03/2023
Alterado em 17/03/2023
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