fatima fontenele lopes
Rascunhos da alma
Textos

AH, TEMPO BOM !

Em um dia qualquer volto ao tempo da minha saudosa infância. Retorno quase sempre aos lugares onde vivi momentos marcantes e felizes. Ah, tempo inesquecível na rua da minha casa, nem preciso fechar os olhos para ver toda a meninada se reunindo num corre-corre, arquitetando as tramoias do dia e da noite. Geralmente, o movimento começava logo cedinho, naquela época algumas crianças demoravam a iniciar a vida escolar. A rua sem calçamento, casas simples, moradores pelas calçadas num fuzuê danado, conversinhas alegres e, raramente, algumas pequenas desavenças. Cadeiras na calçada, pouco movimento de carros, o mais presente era o carro pipa que vendia água potável e usava manivela para ligar o motor. O caminhão FNM, a Rural, o Jipe, todos de pouca circulação na minha rua, movimento maior concentrado no centro do comércio da cidade. O transporte mais utilizado era o cavalo, seguido do burro, da égua, do jumento e ainda a carroça puxada por animais. A bicicleta era artigo de luxo e pouco usada a trabalho ou para passeios no final da tarde, e o sonho de muitos jovens e crianças. Quem não tinha esse transporte simulava algum brinquedo que lhe dava a sensação de estar substituindo o desejado equipamento. A criança pequenininha, em um anda-já feito de madeira para as primeiras passadas, as maiores em pequenos velocípedes se divertiam na calçada. Vejo meninos passando, empurrando um pneu velho de bicicleta, usando um cipó grosso para manobrar o invento de uma roda só. Na rua, crianças andavam sobre duas latas vazias de sardinha ou de leite, seguradas por cordões grossos. Meninos desciam num carrinho de rolimã grande, confeccionado por eles mesmos, uma tábua que servia de assento, borracha usada como freio, 4 rolamentos e arame que usavam como volantes. Outros, brincavam com carrinhos feitos de latas ou madeira. Tantas e diversificadas brincadeiras; como o jogo da castanha de caju, em que se iniciava com uma encostada na parede e duas ou mais crianças, cada uma com a mesma quantidade, tentando acertá-la e vencia a partida o primeiro que conseguisse, recolhendo para si todas as castanhas jogadas, e nova partida era iniciada. Na frente da casa da vizinha, a brincadeira da melancia, com as crianças deitadas no chão, e um adulto tocando com dois dedos na barriga esticada de cada um, para escolher a melancia mais madura. Os maiores brincavam de pular numa corda grande, um entra e sai, cada um mostrava as suas habilidades. Jogos com bolas, tomavam conta da rua. As longas cirandas de rodas, o passa anel, muito cuidado ao passá-lo, Pique-pega, era muito divertido, a meta era correr muito rápido e criar estratégias para não ser alcançado, dentre tantas outras brincadeiras. Ah, tempo bom! Tudo era motivo de alegria, sorrisos, gargalhadas e gritos. O banho nos dias de chuva, as batidas de queixo de tanto frio, a disputa pela bica, boca de jacaré, o andado nas poças enlameadas, os barquinhos de papel, a preocupação das mães devido aos fortes relâmpagos. Revejo tudinho, a minha humilde rua, daquele jeitinho de outrora, a minha criança saltitante, alegre, birrenta, permanece presente e encantando as minhas lembranças de hoje.

 

 

Maria de Fátima Fontenele Lopes
Enviado por Maria de Fátima Fontenele Lopes em 15/08/2023
Alterado em 15/08/2023
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