fatima fontenele lopes
Rascunhos da alma
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VIAGEM À JENIPAPEIRO

Novo flash da minha memória, agora, no remoto tempo da minha infância, no limiar da década de 1960, revejo o meu primeiro passeio no caloroso Jenipapeiro, no distrito de São Miguel do Tapuio-PI. No casarão branco com portas e janelas na frente e na lateral, sombreada com um gigantesco mulungu, morava a minha irmã/mãe Marilene ou mãenenena como era chamada por mim e, sua pequena família. Era a querida, dedicada e amável professora do lugarejo. Jenipapeiro, habitado por receptivas pessoas, na sua maioria da tradicional família Campelo. Vejo-me garotinha numa temporada naquele lugar, relembro dos festejos religiosos que aconteciam anualmente na Capelinha de Santa Ana. Rememoro os preparativos para receber o pároco, comitiva e demais convidados para o evento. No quintal da residência, um enorme forno de alvenaria, onde Marilene assava sequilhos, bolos, galinhas, o e recheado e saboroso peru para a grande acolhida. Vejo a calçada do barracão cheia de mercadorias, na rua um caminhão carregado de laranjas, muitos camelôs vendendo roupas, brinquedos, utensílios de casa e outros objetos em suas barraquinhas de lona. Muitos vinham de longe ou da redondeza negociar seus produtos e ganhar o seu sustento. Nesses dias, todos se vestiam com as melhores roupas, feitas a capricho para a tão importante data, inclusive eu, com os meus lindos vestidinhos de florzinha-coloridas e meu sapatinho de verniz. A festa rolava o dia todo, no grupo escolar, o sanfoneiro animava os moradores e os visitantes. Sentadinha na janela, adorava o balançar dos corpos e o arrasta pé no salão num arretado e gostoso forró. À noite, novenas, quermesses com leilão das prendas recebidas e arrecadadas. O pátio da igrejinha ficava muito animado e barulhento com o vai vem dos devotos. Jenipapeiro, arborizado com imensas carnaubeiras, um lindo brejo com fontes cristalinas e gigantes mangueiras, numa deslumbrante sinfonia do balançar das folhas, um deleite para a criançada que acompanhava as mães na lavagem de roupas nos batedores de pedras e cercado de palhas de carnaúba. Pertinho, um buraco que minava água, facilitando o trabalho das donas de casa. Num prédio de alvenaria, na saída da vila, funcionava a moagem, garapa, mel, a fabricação de rapadura e o divertido puxado de alfinim, o cheiro espalhava-se por todo o lugar. Em outro local, a casa de farinha, mandioca descascada manualmente, todos sentados no chão para o árduo trabalho. Um triturador, prensa para espremer a massa e forno à lenha para torrar a farinha, fazer tapioca e o delicioso beiju. No galpão as palhas das carnaubeiras eram guardadas e posteriormente trituradas para a retirada do pó e comercialização. Assim, era o Jenipapeiro do meu tempo de criança; do suco de murici, dos quitutes de Iara, do arroz pilado no pilão, da água puxada do chafariz com minha mana Roseni, no debulhar de feijão e milho na casa do tio Pedro, das conversinhas debaixo do mulungu, da dor e do choro da injeção aplicada por dona Iracema, das brincadeiras de roda, dos três passará, do passa anel, dentre outros. Da casa de dona Ceicinha, da bondade da senhora Adelaide, do cachimbo de dona Maria José, das presepadas da mana Rosemar, do ranger do armador do balanço da rede do senhor Gabriel. Enfim, do vento brando e frio do anoitecer, do alumiado da lua cheia e do sorriso escancarado da bonita molecada.

 

Autora:

Maria de Fátima Fontenele Lopes

Maria de Fátima Fontenele Lopes
Enviado por Maria de Fátima Fontenele Lopes em 18/08/2023
Alterado em 19/08/2023
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