fatima fontenele lopes
Rascunhos da alma
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O FALSO SANTO

 

De repente, lembrei-me de uma pequena cidade do interior do Ceará, na qual, passei algumas férias escolares. Na época, uma cidadezinha muito simples e aconchegante. No centro: a matriz, a pracinha, na rua do lado uma Pensão, distante um pouco o Posto de Saúde, Os Correios, um Grupo Escolar, a Delegacia de Polícia e pequenas mercearias e alguns bares espalhados pela cidade. Todo mundo se conhecia, sentavam à noitinha na calçada para contar piadas e colocar os assuntos em dia. As crianças livres brincavam pertinho dos pais ou no meio da rua, os jovens iam dar uma voltinha na praça para algum flerte, namoro ou mesmo conversar miolo de pote, como diziam. No prédio onde funcionava os Correios ou em residências, no final de semana, uma animada tertúlia, encontro de moças e rapazes ao som de uma pequena radiola, onde tocava a turma da Jovem-Guarda — Roberto Carlos, The Fevers, Erasmo Carlos, Wanderléia, Wanderley Cardoso — dentre muitos outros cantores da época. Era uma cidadezinha pacata, onde tudo era motivo de alegria e diversão. As segundas-feiras, a feira semanal realizada ao relento, com inúmeros camelôs vindos de lugares próximos. O prefeito quase nada fazia, poucas ruas pavimentadas, energia até as 23h, Água encanada, apenas no centro, os demais logradouros pegavam em latas nos chafarizes. Próximo às eleições, o Prefeito, para angariar votos, resolveu homenagear um antigo cidadão, que na opinião do povo havia prestado bons serviços na cidade, com uma estátua feita na Capital e colocada no meio da praça, ao redor, um pequeno canteiro de flores campestres e uma fonte jorrando água de baixo para cima, causando admiração aos habitantes e visitantes. O monumento foi muito aplaudido pela população, teve uma grande inauguração, solturass de fogos de artifícios, banda de música e muitos convidados ilustres de cidades circunvizinhas. Porém, no interior, no meio rural, a notícia não chegou. Os moradores, pessoas simples, religiosas, ao chegarem a cidade, vendo a bonita estátua, pensaram ser de um santo, visto ficar com frente à matriz. Passaram a rezar, acender velas, fazer pedidos e deixar esmolas em um cofrinho colocado pelo mal intencionado vigia da praça. Após a saída do romeiro ele tirava as ofertas e colocava no bolso, em seguida ia no boteco próximo tomar uns goles de cachaça. O movimento aumentava à cada dia, a meninada observando resolveu alertar os devotos dizendo: — não é santo, os santos estão no céu e as imagens dentro da igreja… o vigilante retrucou nervoso e preocupado em perder a grana, que estava sendo de grande valia para a sua tomada de cana e reclamou: — calem a boca, meninos! crianças não sabem de nada, a gente ver e acredita no que quer. As visitas aumentaram, principalmente aos domingos e dias santos. A senhora beata que morava pertinho, resolveu interferir recolhendo as ofertas, que achava de direito ser dos santos da Igreja. Então, o fuzuê foi grande, o vigilante revoltado, o dinheiro era dele, a ideia também, dizia. A situação causou brigas, o vigia enchia a cara, ficava valentão e poderoso. E a confusão se instalou na pequenina comunidade, até então, tranquila. O fato se generalizou, o chefe da cidade, já eleito, tomou uma decisão radical, destruindo o busto e no local construindo um bonito e florido jardim, única maneira de pôr ordem no lugar. Os fiéis passaram a fazer suas preces no templo, deixando suas oferendas no cofre da igreja sob as bençãos do vigário. O vigilante frustrado por ter ficado sem as tetas da vaca, que alimentava seu vício, resmungava: — um dia eu pego essa velha beata. A gurizada saltitava feliz, enfim, a justiça tinha sido feita.

Maria de Fátima Fontenele Lopes
Enviado por Maria de Fátima Fontenele Lopes em 03/09/2023
Alterado em 03/09/2023
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