FOTO: Inambê
ANTÔNIO E MARIA
Antônio, foi uma das primeiras pessoas a me acolher neste mundo de Deus, apesar de ter outros filhos fui muito bem acolhida e querida por ele. Fiz parte do rapa do tacho, como costumava-se dizer naquele tempo, falava-se do filho da rabada, os últimos da ordem cronológica. Já cheguei abafando, nas águas de março, na enchente do rio, na sinfonia dos sapos, no canto da coruja e na madrugada de lua cheia. Aos berros deslizei de cabeça pelas mãos calejadas e calorosas de Maria, a valente parteira. Recebida no afago de cueiros bordados e da aconchegante redinha branca de varanda, alumiada pela luz do candeeiro. Antônio, meu pai, assistia de longe o feito do despertar da vida, do vir ao mundo, da agonia da espera, da dolorida e costumeira dor do parto da minha mãe e da alegria da chegada da esperada criança que se fosse menina levaria o nome de Maria. Minha mãe, mulher guerreira, corajosa, parideira, leoa e edificadora do lar. Eu, abençoada pela Virgem Maria, recém nascida, provei das agruras da morte, das sentinelas da meia-noite, da luz da vela incandescente que esperava a hora do meu último suspiro. O anoitecer era testemunho da angústia de meu pai e da quase despedida de minha mãe. Meu choro ecoava frágil, “não vai passar de hoje”, ouvia-se o som de vozes cortantes, às vezes, agourentas, frias que recaíam sobre o meu pálido e pequenino corpo quase desfalecido. Antônio suplicava à Santíssima Virgem Maria o milagre da cura. Eu, incansável, lutava para viver, ver o sol nascer, as torrentes das águas do rio, a chuva no telhado e experienciar o dom da vida na sua total plenitude. Antônio, pai de Maria, a sobrevivente da temorosa luta pela sobrevivência, amparada ainda por uma fervorosa rezadeira, também chamada Maria. Antônio, filho de Maria, amante da família, devoto de São Jorge, guerreiro, abnegado filho de Deus. Hoje, no céu, protegido por Maria, a mãe de Jesus.